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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Angra dos Reis

"Quando as estrelas começarem a cair me diz, me diz pra onde é que a gente vai fugir?"

João segurou forte a mão de Maria, sua eterna companheira de aventuras.
"Vamos correr na chuva", ele disse com um sorriso largo no rosto. Correndo com sua amiga, como se depois de correr por entre as gotas, não importava a bronca que ganharia ao chegar em casa molhado. João não podia enxergar muito bem, era quase cego, via a maioria das coisas como vultos. Maria tentava desapressá-lo. "Vai acabar caindo, tome cuidado, por favor!". João não se importava, queria correr e sentir o que não via, havia mal nisso? Não saberia responder, não permitia que o dualismo, ou qualquer parte da filosofia, tirasse-lhe o menor dos tempos que tinha.

Era bom sentir a chuva e escutar a batida dela no chão. O cheiro que a terra molhada exalava... João gostava de se ajoelhar na terra e passar a mão pela lama, arrastando-a com a mesma. Ele passava a lama pelo corpo e cara e sentia a terra, sentia sua força e sua vida, a capacidade de gerar vida nova. João sempre olhava de maneira diferente para Maria quando estava lamuriento. Tinha não sei que jeito lancinante no olhar do menino que cortava o coração em dois a cada olhar que ele dava como aquele. Maria se perguntava se realmente olhava para ela, ou se apenas olhava para um canto qualquer.

Aproximava-se mais uma vez do amigo. Segurava-lhe a mão e este levantava-se e abria a boca, deixando nesta cair as gotas de chuva. E que gosto tinham as gostas de chuva! Estavam geladas e refrescantes e como se não bastasse ainda causavam um alvoroço de alegria no rapaz.
Ele puxou a mão de Maria algumas vezes para que esta o notasse e ela o olhou interrogativa, bastante prestativa. Ele não a via direito, mas sempre sabia quando ela o olhava, dava uma sensação estranha, um frio na barriga. Ele gostava que ela o olhasse. "Como é?". Maria ficou por um momento em silencio pensando, mas resolveu ainda arriscar para ter certeza. "Como é o que?". "A chuva oras."

Isso deixou Maria pensativa a respeito. Também gostava muito de chuva. A roupa colava no corpo e dava um frio gostoso, que dava vontade de abraçar alguém, que dava vontade de não soltar mais. Chuva era mais que água, era um sentimento. Outrora poetas já a chamaram de lágrimas da terra. Só se fossem lágrimas de felicidade, pensava a garota que não se conformava em comparar a chuva com algo triste.
Ela abraçou João forte e em seu ouvido ela respondeu. "A chuva é exatamente como você a vê.". "Um embaço?".. Perguntou ele. Maria riu com essa piadinha. " Não, seu bobo, um MILAGRE"

João se concentrou e espremeu os olhos com força. Olhava e tentava enxergar com um grande desejo. Segurou forte a mão de Maria e disse "Para mim parece fragmentos de estrela, caindo sem parar". Maria deixou que a visão se prendesse nas gotas e assentiu, fazia sentido. Estrelas caiam em Angra e prometiam cair cada vez mais forte.

"João, está ficando tarde, vamos voltar".
"Ah! Mas Maria, ainda está chovendo!".
"Se chover até amanhã, vai ficar ai até lá?".
"Eu posso?"
"Não!' e riu bastante.

Foi até o seu amigo para pegá-lo pela mão. Não chegou até lá. A terra tremeu e ela se desequilibrou e de repente, como a fera que engole sua presa, a terra se abriu debaixo dela. Tragou-a num só impulso para um pequeno abismo.
Soterrada Maria olhou para cima. Estava sentindo sangue nos pulmões e o frio já não estava confortável na pele, ao contrário, parecia cortá-la e dilacerá-la. Ela puxou com força o ar para encher os pulmões e gritar.
"João!"
"Eu tô aqui Maria. Cadê você? Que foi isso?"
"Não! Não venha aqui. João, preciso que me faça um favor está bem? Preciso que saia daqui e vá pra casa, você consegue fazer isso?"
"Sim, mas e você? Maria sua voz tá estranha, o que houve?"
"Eu, João, vou ter que ficar aqui."
"Mas por que?"
"Por que? João... eu sou... um deusa!"
"Uma deusa?"
"Sim, a deusa da chuva, João, você quer que chova de novo, né? Quer que chova até amanhã, né?"
"Você pode fazer isso, Maria?"
"Claro que posso, seu bobo, não me escutou? Sou uma deusa, a deusa da chuva!"
"Mas Maria?"
"O que foi, João?"
"Por que eu tenho a impressão que nunca mais vou te ver?"
"É só impressão" nesse ponto ela já chorava. " Você sempre vai poder me ver, João, eu sempre estarei na chuva! Se lembra? A chuva é um milagre!"
"Tá certo, Maria, então faz chover todo o dia tá? Quero te ver todos os dias!"
"Tá certo, seu bobo!"
João tomou o rumo pra casa, mas não antes de ser chamado mais uma vez pela amiga.
"João?"
"Oi!"
"Eu posso ver!"
"Como?"
"Eu vejo as estrelas caindo! Como você disse. João é assim que você vê o mu..."
João sentiu vontade de perguntar para a amiga o final da frase. Mas achou melhor não. Não sabia o porquê, mas achava melhor ficar calado. João chorou, não entendia porque chorava, mas chorava mesmo assim. E as lágrimas se misturavam a chuva. E as lágrimas embaçavam ainda mais a visão.
João olhou para o céu e depois para um canto qualquer, e ali, embora muito embaçado, teve certeza de ter visto Maria correr pelo campo, com as estrelas caíndo do céu. João tinha que ir pra casa.


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