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Contos de toda espécie. Contos para todas as idades. Contos para se amar e se odiar. Para sorrir e para chorar. Contos de amor e amizade. Contos, contos e contos. Histórias para serem lidas. Porque sem contos a vida seria menos vida.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Conversa de Botas Batidas

Ele abriu a porta do Motel e a encontrou a sua espera. Suas mãos tremiam e ele se movia em câmera lenta, lembrou-se que costumava andar daquela forma enquanto sonhava acordado, sempre que encontrava ela naquele mesmo quarto. Hoje, porém, movia-se lento por não conseguir de outra maneira.
Ela o viu estender a mão cálida e enrugada para tocar-lhe a face e afagou gentil a mão dele no seus rosto. O atrito entre as peles secas pelo tempo era, de muitas formas, confortável.



Os dois se olharam fundo nos olhos. Certa nostalgia invadia cada um, saindo dos olhos do outro por meio de frias e salgadas lágrimas. Não precisavam de palavras, pois palavras não adiantariam, já tinham tentado o uso dela há muito tempo e em nada as palavras melhoraram a culpa.
Todavia não era culpa do pecado que cometiam, mas do que não podiam fazer de suas vidas. Melhor dizendo, do que não fizeram e agora o tempo não deixava mais fazer.
Ele sentou do lado dela na cama e sorriu, ainda com a face molhada do constante liquido que escorria dos globos. Ela também o fazia, marcando no ar um grande beijo, solto ao léu para ele, no formato de grandes lábios vermelhos de batom, os quais vistos por olhos mais jovens poderiam perder mais da metade do encanto e da admiração. Por olhos mais jovens a beleza que ele via seria notada com desprezo e intolerância.

Ele a olhava sem piscar e mesmo assim, mesmo depois de muito tempo a analisar, não conseguia ver além daquela jovem linda pela qual se apaixonou. Foi ironia do destino que 

aquela mesma mulher, que não haveria outra igual no mundo, em beleza, também se interessara por um jovem tão simples quanto ele, mas ironia ainda foi o fato dos dois terem se casado, mas com pessoas diferentes, mesmo amando apenas a si mesmos.
Ela também podia ver por detrás daquela pele caída o vigor do jovem bem aparentado e de maneiras simples que a cativara. Sim, muitos outros amantes tivera, muito complexos para que os pudesse chamar de amados, por isso talvez apaixonou-se logo, tão perdidamente, por alguém tão simplório.

Como poderia Deus ser contra aquilo? Qual razão universal os forçava a ter de se esconder, mesmo depois de tanto tempo? Que motivos os levaram a casar-se com outros que não foram eles mesmos? Onde estavam suas cabeças, quando seus corações sempre permaneciam juntos, dentro ou fora do quarto de motel, na cama deles ou na de seus conjugues?
Não havia respostas para essas perguntas, mas também não havia respostas para muita coisa no mundo, quisera eles serem diferentes? Não.

Se amavam, era o que importava.

De repente alguém bate a porta com força, mas eles não sentem vontade de se deixar para abri-la, o moço avisa de fora mesmo: "O prédio vai desabar!"
Pararam por um instante e se olharam, o moço já havia saído a avisar outros vizinhos. Estavam ainda se encarando, não fora preciso palavras no começo daquele encontro até ali, não seriam também necessárias para expressar o que ambos relutavam em pensar.

Mas era natural. Não haviam mais de esconder. Dane-se o mundo! Amavam-se afinal. Os que seus filhos e netos diriam? Sentiriam vergonha deles? Mais vergonha ainda seria a deles de não fazer o que pensavam agora.

Mais uma vez o moço voltava a bater avisando. Ele bate cada vez mais rápido de acordo o tempo vai passando, sai para outras portas e depois volta a insistir nessa, chegando a quase desesperar.

A visão da porta os afugenta. Não querem olhar para aquele horror que pode-lhes tomar a coragem. Ela pensa em responder, mas com um dedo ele a cala. "Deixa o moço bater". E o moço bate, cada vez mais forte e desesperadamente. Por fim ele entende. Não se sabe dizer a reação que o moço teve por detrás da porta, mas para os dois foi um alivio.




Eles deitam-se por fim, abraçados. Guardando no meio a sua beleza, quão grande o amor dos dois, que ato! Que belíssima Ode! Que Drama! Teatro VIVO!
Os dois se amavam e em breve o mundo saberia.
Queriam sentir logo o tremor. Que viesse logo o mal! Adultério já levava ao inferno, que viesse pois o pecado mais trágico! Que fossem para o mais profundo dos círculos que outrora Dante descrevera tão horrível! Dane-se! Haveriam de levar o amor com eles e deixar a verdade ao mundo. Mundo frio e cruel! Que os negara tão sublime sentimento que tinham um pelo outro.
Deixa que as bases e os alicerces que os sustentam por fim tremam e caiam, não há razão na morte, mas há menos razão em uma pseudo-vida. Antes a morte à angustia de viver a vida de outra pessoa que não eles mesmos.

Foi num olhar, momento mais frio daquela relação e mais importante também, que começou, pois seria num abraço de igual importância  e muito mais quente que havia de terminar. E assim terminou...




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